Filmes no cinema #7 - "O Lutador"

Posted: sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


Nota: 8,0


Mickey Rourke e Darren Aronofsky. Esses dois homens são a base insubstituível de "O Lutador"; o resto pode perfeitamente ser trocado sem comprometimento. Mas seu ator principal e diretor são o filme. O trabalho dos dois se sobressai de tal modo que o filme simplesmente não existiria se não fosse a presença dos dois.

Mickey é Randy 'The Ram' Robinson ("The Ram" = carneiro), um lutador de boxe que viveu seus dias de glória nos anos 80, e que atualmente encontra-se em total decadência: durante a semana, trabalha num supermercado, nas mais variadas funções, desde carregador de caixas a atendente no balcão de frios. Nos finais de semana, participa de eventos de luta livre, nos quais é sempre a estrela principal. Tais eventos rendem apenas algum pouco dinheiro para ele, e a sensação de estar de volta ao passado: as lutas são de exibição; os golpes, mesmo que de verdade, são todos combinados previamente nos bastidores. Randy é um homem solitário: vive num trailer, tem uma filha que o odeia (Evan Rachel Wood) e a única mulher presente em sua vida é a stripper Cassidy (Marisa Tomei, no esplendor da forma física aos 44 anos), que já é chamada de mãe por alguns dos jovens que frequentam o local onde trabalha.

Eis que então ocorre uma reviravolta: certo dia, logo após uma dessas lutas de fim de semana, ele sofre um infarto. Causado pela idade, pelo esforço que ele fazia mas, principalmente, pelo uso intenso de anabolizantes que ele fazia, isso causa um impacto em sua vida: o médico diz que ele nunca mais poderia lutar. O problema disso é que, segundo o próprio Randy no filme, é só isso que ele sabe fazer... No entanto, tenta obedecer a ordem médica (em grande parte por causa de uma cena na qual está num evento cheio de veteranos como ele, e vê o estado deplorável no qual os outros se encontram, e decide que não quer isso para ele), e busca apoio em Cassidy e na sua filha: começa a se construir uma óbvia relação de amor entre Randy e Cassidy, e sua filha e ele começam uma reconciliação.

Porém, Randy mostra porque entrou em decadência ao estragar tudo que começou a reconstruir com a filha, e não aguenta mais ficar longe das lutas, e decide aceitar a proposta de uma revanche de sua mais memorável luta, 20 anos depois, mesmo sabendo dos riscos que corre. Assim, chega-se ao magistral clímax do filme: a entrada triunfal de Randy ao som de "Sweet Child O' Mine", com a bandeira dos EUA ao fundo (mais anos 80, época de ouro do lutador, impossível!), o discurso antes da luta começar de Randy/Mickey Rourke (cena que vale o ingresso e todos os elogios e prêmios à Rourke) e o sensacional final com o "Golpe final do Carneiro", que é como Randy termina todas as suas lutas durante a projeção.

O filme, apesar de ser extremamente clichê, por mostrar o típico perdedor que quer se reerguer, mas tem dificuldades, além de ter roteiro excessivamente linear, com personagens previsíveis como Cassidy, consegue ser muito bom graças à Rourke e Aronofsky: o ator está simplesmente perfeito, e o diretor idem. Mickey Rourke já tem 56 anos, e foi uma grande revelação de Hollywood nos anos 80, mas deixou se deslumbrar pelo sucesso, acabou se afundando em drogas, virou ele próprio um lutador, que deixaram visíveis marcas em seu rosto e corpo, mesmo após cirurgias plásticas. Logo, Randy é praticamente um auto-retrato seu. Aronofsky faz aqui seu primeiro filme mais, digamos, comum, depois de filmes como "Pi", "Réquiem para um Sonho" e "Fonte da Vida". Além de um estilo de filmagem que sempre "segue" a personagem, com a câmera sempre mostrando as costas e, consequentemente, o seu ângulo de visão da situação, o diretor consegue fazer uma história que tinha tudo para ser melodramática e piegas ser algo que vale a pena ser visto. A cena que destaco é a de Randy indo para o balcão do supermercado, enquanto no fundo ouve (ouvimos) gritos da plateia, como se estivesse prestes a entrar num ringue. Fantástico.

Como está na matéria de Isabela Boscov na Revista Veja da semana passada: "Aronofsky contratou Rourke com uma bronca de franqueza brutal. Enfiou o dedo na cara do ator, disse que ele virara uma piada, que estava correndo um risco insensato porque não conseguia levantar um tostão de financiamento assim que o nome dele era mencionado, e avisou que exigiria obediência e dedicação incondicionais. Como não há nada que Rourke respeite mais do que uma demonstração de valentia, o acordo foi firmado."
"Entre o ‘ação’ e o ‘corta’, não existe um ator mais imenso no mundo. O difícil é levar Mickey até lá. Depois de duas tomadas, ele já está perguntando se não pode ir para casa. O caso é que essas duas tomadas são ótimas – mas as que vêm depois são magníficas. Mickey é um ator que precisa ser inspirado e pressionado, porque é um preguiçoso", brinca, mas não muito, Aronofsky." Ou seja, o diretor foi o responsável por fazer Rourke renascer das cinzas. E as chances dele levar o Oscar 2009 de melhor ator por esse filme são imensas.

Outra coisa que faz o filme ser muito bom é sua trilha sonora: já falei algumas vezes por aqui sobre metal farofa, glam metal e essas coisas, e só há músicas desse gênero no filme! Para quem curte, como eu, o filme é um prato cheio! Bandas como Cinderella, Ratt e Firehouse marcam presença em muitos momentos. Os ídolos de Randy são os Guns N' Roses! Guns que estão ligados ao filme de maneira intensa: Slash é quem toca as guitarras na trilha sonora instrumental do filme, composta por Clint Mansell, velho colaborador de Aronofsky; quem ficar até o final dos créditos verá que a última frase que aparece na tela é algo como "o elenco e a equipe do filme gostariam de agradecer especialmente à Axl Rose". Por quê? Aronofsky explica: "Bem, nós tocamos 'Sweet Child O' Mine' umas trezentas ou quatrocentas vezes durante as filmagens. Mickey é muito amigo de Axl, e Axl foi essencial para nos garantir 'Sweet Child O' Mine' para o clímax do filme.". Por fim, o melhor diálogo do filme está relacionado à banda (em tradução livre minha, veja o original aqui):

Randy: - Caramba, eles não as fazem mais como faziam antes.
Cassidy: - Os anos 80 foram foda, a melhor porra que já teve!
Randy: - Isso! Guns N' Roses! Eles são o máximo!
Cassidy: - Crue! (Mötley Crue)
Randy: - Yeah!
Cassidy - Def Lep! (Def Leppard)
Randy: - Aí, aquela bicha do Cobain teve que aparecer e estragar tudo.
Cassidy: - Como se houvesse algo errado, por que não se divertir, apenas?
Randy: - Vou te dizer, eu odeio a porra dos anos 90.

Já falei algo sobre o assunto no post sobre o Bon Jovi, mas o fato é que a chegada do Nirvana, de Kurt Cobain, varreu do mapa todas as bandas de metal farofa que existiam no planeta, por isso a revolta. Para Randy, em especial, essas bandas trazem à tona as memórias do seu auge como lutador, e os anos 90 foram sua derrocada.

Para saber mais sobre a famosíssima rivalidade entre Axl Rose e Kurt Cobain, que rendeu momentos surreais durante o VMA de 1992, leia esse texto em português, ou esse, de Krist Novoselic, baixista do Nirvana.

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